
Professor Rafael Nascimento
A figura do Messias, central no Judaísmo e no Cristianismo, nem sempre foi um pilar da fé judaica. Sua concepção como um redentor cósmico e escatológico foi profundamente moldada pelo contato com o Império Persa e, mais especificamente, com a religião zoroastriana. Foi durante o exílio na Babilônia (século VI a.C.) e no subsequente período de dominação persa que o povo judeu assimilou e reinterpretou conceitos religiosos que revolucionaram sua própria escatologia.
O Zoroastrismo, fundado por Zaratustra (Zoroastro), possuía uma visão de mundo dualista e linear, radicalmente diferente das concepções cíclicas predominantes em outras culturas. Nesse sistema, destacam-se ideias que ecoariam fortemente no pensamento judaico-cristão:
Dualismo Cósmico: O universo é palco de uma luta entre dois princípios eternos: Ahura Mazda (o deus da luz, da verdade e da ordem) e Angra Mainyu (o espírito destrutivo, da mentira e do caos).
Escatologia e Juízo Final: A história caminha para um desfecho definitivo. No fim dos tempos, ocorrerá uma batalha final entre o bem e o mal, seguida por um julgamento individual.
A Figura do Saoshyant: Esta é a peça-chave. O Saoshyant é uma figura escatológica, um salvador futuro e redentor, nascido de uma virgem, que surgirá para liderar a batalha final contra as forças do mal, ressuscitar os mortos e renovar o mundo, tornando-o perfeito e eterno.
Antes do exílio, a esperança messiânica judaica era predominantemente terrena e política. O "Ungido" (Mashiach) era um rei ou líder, como Davi, que restauraria o poder e a independência de Israel.
A experiência traumática do cativeiro forçou uma reavaliação teológica. Sob a influência zoroastriasta, a ideia de um messias foi transformada e amplificada:
De Rei a Redentor Cósmico: A figura messiânica evoluiu de um simples rei restaurador para um redentor de escopo universal, cuja missão teria implicações cósmicas e espirituais.
Incorporação do Juízo Final e da Ressurreição: Conceitos como a ressurreição dos mortos e um julgamento final, praticamente ausentes no Judaísmo primitivo, tornaram-se centrais em correntes como a dos Fariseus e na literatura apocalíptica (ex.: Livro de Daniel).
A Vinda para Estabelecer o Reino de Deus: A expectativa de um messias que inauguraria um reino eterno de justiça e paz, derrotando definitivamente o mal, alinha-se diretamente com a função do Saoshyant.
O Cristianismo, surgido no seio do Judaísmo do Segundo Templo, herdou essa concepção escatológica e a aplicou diretamente a Jesus de Nazaré.
Jesus como o Messias Escatológico: Os primeiros cristãos, a partir de sua experiência da ressurreição, proclamaram Jesus como o Cristo (a tradução grega para "Ungido"), o redentor final cuja morte e ressurreição inauguraram os "últimos tempos".
Assimilação de Atributos: Muitos dos atributos do Saoshyant e da escatologia zoroastriasta são visíveis na figura de Cristo:
O julgamento final (Mateus 25).
A ressurreição dos mortos (1 Coríntios 15).
A derrota final de Satanás (uma figura que também se desenvolve a partir do Angra Mainyu).
A renovação dos céus e da terra (Apocalipse 21).
O Nascimento Virginal: A narrativa do nascimento virginal de Jesus (Mateus 1:18-25) encontra um paralelo conceitual na tradição do Saoshyant, que nasceria de uma virgem.
A construção da figura do Messias não foi um evento isolado, mas um processo dinâmico de intercâmbio cultural e religioso. A teologia judaica, em um momento crucial de sua história, demonstrou uma notável capacidade de absorver conceitos estrangeiros – notadamente do Zoroastrismo – e reinterpretá-los à luz de sua própria tradição e experiência com o Divino.
Dessa síntese entre a fé javista e as ideias persas surgiu uma esperança escatológica poderosa que, por sua vez, forneceu o quadro interpretativo fundamental para que o movimento cristão entendesse e proclamasse a pessoa e a obra de Jesus Cristo. Portanto, compreender a jornada do conceito de Messias, do Zoroastrismo ao Judaísmo e ao Cristianismo, é essencial para uma visão histórica e teológica mais profunda das raízes da civilização ocidental.