
Ao contrário da leitura tradicional, uma análise mais profunda do Novo Testamento em sua matriz aramaica sugere que João Batista pode ter sido interpretado, em certos círculos esotéricos ou simbólicos, como uma figura de natureza ambígua ou efeminada — o que, em linguagem moderna, poderia ser compreendido como uma leitura homoerótica ou homossimbólica
Jesus teria feito uma afirmação enigmática sobre João:
“Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu ninguém maior do que João Batista...” (Mateus 11:11)
A expressão “nascido de mulher”, quando aplicada a homens na literatura semítica antiga, podia ter um significado simbólico, implicando vulnerabilidade, passividade ou mesmo feminilidade espiritual. Em certos contextos aramaicos e hebraicos, dizer que um homem era “filho de mulher” (bar nashá) podia ser uma forma de diferenciá-lo de uma linhagem patriarcal ou sacerdotal, em que o nome do pai — e não da mãe — era o portador da honra, da herança e da identidade.
Na genealogia bíblica, por exemplo, as mulheres raramente são mencionadas. Isso ocorre porque a transmissão da linhagem, da autoridade e do nome se dava por via paterna. Quando, contudo, uma mulher é citada, isso indica uma ruptura na linha patriarcal, sugerindo que o nascimento daquele indivíduo tinha algo de excepcional, irregular ou simbólico. Por isso, encontramos fórmulas como:
“Abraão gerou Isaque; Isaque gerou Jacó; Jacó gerou Judá...”,
e não “Sara deu à luz Isaque” ou “Rebeca deu à luz Jacó”.
Assim, quando o texto atribui a João a condição de “nascido de mulher”, pode estar implicitamente marcando-o como alguém fora da norma patriarcal — um homem de natureza diferente, simbólica ou espiritualmente ambígua.
Outro ponto levantado por alguns intérpretes é o papel de João como “Batista”, termo que vem do grego baptistḗs, relacionado a baptízō, “lavar”, “submergir”, “purificar”. A tradução literal poderia, portanto, ser entendida como “aquele que lava” ou “lavador”. João, de fato, dedicava-se a batizar — ou lavar — homens adultos no rio Jordão, um ato que envolvia contato físico e exposição corporal, o que, em leitura simbólica, pode ter gerado interpretações sobre a natureza de sua relação com os batizados.
No entanto, é importante destacar que, do ponto de vista histórico e teológico tradicional, não há nenhuma evidência documental ou patrística que sustente literalmente que João Batista tenha sido homossexual. A leitura aqui apresentada é simbólica e interpretativa, vinculada à análise linguística e à teologia comparada — especialmente nas versões aramaicas e gnósticas do cristianismo primitivo, em que categorias como “masculino” e “feminino” frequentemente representavam dimensões espirituais, e não apenas sexuais.
Assim, João Batista pode ser visto, nesta perspectiva, como uma figura liminar — entre o masculino e o feminino, entre a lei antiga e a nova aliança — representando o batismo como o renascimento espiritual que transcende a distinção de gênero e prepara o caminho para o Cristo, o “novo Adão” espiritual.